Ministério da Saúde baniu o termo ‘violência obstétrica’

Crédito: Pixabay

De acordo com o parecer 32/2018 do Conselho federal de Medicina (CFM), “a expressão ‘violência obstétrica’ é uma agressão contra a medicina e especialidade de ginecologia e obstetrícia, contrariando conhecimentos científicos consagrados, reduzindo a segurança e a eficiência de uma boa prática assistencial e ética”.

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E, de acordo com o decreto assinado no dia 03 de maio de 2019, baniu-se o termo do Ministério da Saúde, antes grande apoiador da causa, como visto nesse artigo sobre violência obstétrica. De acordo com o relator Ademar Carlos Augusto, esse decreto surgiu por causa dos diversos projetos de lei voltados ao tema.

Nas palavras do relator do governo, em entrevista para a Folha, “o que a gente percebe é que existe um movimento orquestrado de algumas instituições de trazer para o médico obstetra a responsabilidade pela situação caótica que está a assistência à gestante”.

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Ministério da Saúde baniu o termo ‘violência obstétrica’

O site do Ministério da Saúde ainda não foi atualizado (maio/2019). Então ainda consta a seguinte definição sobre o que é a violência obstétrica:

“A violência obstétrica é aquela que acontece no momento da gestação, parto, nascimento e/ou pós-parto, inclusive no atendimento ao abortamento. Pode ser física, psicológica, verbal, simbólica e/ou sexual, além de negligência, discriminação e/ou condutas excessivas ou desnecessárias ou desaconselhadas, muitas vezes prejudiciais e sem embasamento em evidências científicas”.

Porém, de acordo com o ofício nº 017/19, que elimina o termo das publicações oficiais,  “embora não haja consenso quanto à definição desse termo, o conceito de violência obstétrica foca a mulher e o seu momento de vida (gestação, parto ou puerpério)”. O que contradiz a definição anterior.

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Para o texto, “o posicionamento oficial do Ministério da Saúde é que o termo ‘violência obstétrica’ tem conotação inadequada, não agrega valor e prejudica a busca do cuidado humanizado no continuum gestação-parto-puerpério”. Ou seja, são três pontos principais nesse trecho:

  • Tem conotação inadequada;
  • Não agrega valor;
  • Prejudica o cuidado;

Em seguida se lê que “o Ministério da Saúde pauta todas suas recomendações pela melhor evidencia cientifica disponível, guiadas pelos princípios legais, pelos princípios éticos fundamentais, pela humanização do cuidado e pelos princípios conceituais e organizacionais do Sistema Único da Saúde”.

Então quer dizer que o termo não tem caráter científico? Não é o que a Academia acredita. Em busca de produções de cunho científico no Google Acadêmico, foram encontradas 17.600 referências ao termo em português e 45.400 em inglês, comprovando que é sim um termo amplamente utilizado.

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Ministério da Saúde baniu o termo violência obstétrica
Crédito: Uol Notícias

Qual princípio legal diz que o termo violência obstétrica não deve existir? E o pior, qual é a lógica ética que elimina uma variante de violência que atinge o seio das famílias? Sendo assim, deve-se extinguir o termo violência contra a criança e o adolescente, contra o idoso e muitos outros sub categorizados?

E como, o fato de ignorar a violência obstétrica, retirando as informações sobre o mesmo, a partir do momento em que deixa de existir, pode gerar mais humanização no processo? Tem muita coisa estranha nesse texto, parecendo apenas que uniram palavras pomposas, para parecer algo que não é.

Mais um trecho que parece desconexo da realidade de muitas maternidades, públicas e privadas brasileiras: “percebe-se, desta forma, a impropriedade da expressão ‘violência obstétrica’ no atendimento à mulher, pois acredita-se que, tanto o profissional de saúde quanto os de outras áreas, não tem a intencionalidade de prejudicar ou causar dano”.

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Obviamente, a grande maioria dos obstetras não têm a menor intenção tratar a gestante com desrespeito, cuidando da sua saúde física e emocional, sendo grandes profissionais. Porém, existem sim médicos que querem economizar tempo e dinheiro, além de aparentarem não gostarem de fazer partos naturais, por diversos motivos.

Finaliza o ofício com: “pelos motivos explicitados, ressalta-se que a expressão ‘violência obstétrica’ não agrega valor e, portanto, estratégias têm sido fortalecidas para a abolição do seu uso com foco na ética e na produção de cuidados em saúde qualificada. Ratifica-se, assim, o compromisso de as normativas deste Ministério pautarem-se nessa orientação”.

Então, delimitar um termo que está presente na vida de muitas famílias, com dor e sofrimento, não agrega valor. Mas não agrega valor a quê? Ao respeito à vida e à dignidade? Ao foco em melhora nos processos humanizados de parto? Deve-se ler sempre com atenção e buscar um olhar crítico, principalmente em relação a temas tão importantes, quanto a violência.

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Relatos de quem já sofreu violência obstétrica

Enquanto se discute terminologias, milhares de mulheres estão sofrendo em macas frias, sozinhas, cortadas, induzidas e humilhadas. Deve-se sim dar nome ao mal, adotando posturas firmes para combater o problema e não uma suposta ideologia. Cuidar da mulher é cuidar da família. Veja alguns relatos:

Será que se trata de um movimento ou um retrato da sociedade? Assista a outro depoimento de uma mãe que sofreu com a violência obstétrica.

Observa-se porém que, obviamente, a grande maioria é de obstetras dedicados, mas existe sim a violência por parte de alguns, e ignorar o termo não vai fazer com que deixem de existir. Veja outro depoimento de violência no parto.

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Já a Fiocruz, informa que “combater a violência obstétrica é promover a saúde mental e o bem-estar da mulher, é empenhar-se pela redução da mortalidade materna, é garantir o direito fundamental das mulheres por uma vida digna com seus partos sendo realizados de forma respeitosa e humanizada”.

Fruto de um estudo científico, realizado com 103.905 mulheres que deram a luz entre 2011 e 2013, quase 13% sofreu algum tipo de violência obstétrica. Entre eles, 50% receberam mau atendimento, 25% não foram ouvidas, 12% sofreram violência física, verbal ou psicológica e 2,4% chegaram a sofrer violência física, como no vídeo abaixo.

Além de estar totalmente nua na hora do parto, ela não tinha condições de dar a luz e ainda assim o médico insistia, depois de horas. A família interveio e aborrecido, o médico bateu nas virilhas da parturiente, causando muita dor. Outro médico assumiu o parto e foi ironizado, chamado de herói pelo anterior.

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O que é considerado como violência obstétrica

Mas essas não são as únicas formas de violência obstétrica – ops! esse termo não é mais legitimado pelo Ministério – então, não são a única forma de violência imposta sobre gestantes, parturientes, mulheres que deram a luz ou sofreram aborto. De acordo com a Fiocruz, ser proibida a entrada de acompanhante, não dar informações sobre o local do parto, fazer cesáreas desnecessárias ou impedir a gestante de se movimentar também é violência.

Crédito: Fiocruz

Também a ONU acredita que se deve “reduzir o uso desnecessário e potencialmente prejudicial de intervenções médicas e clínicas de rotina”, pois nos últimos 20 anos, têm-se observado que a quantidade de infusões de ocitocina, partos cesáreos e outras intervenções tem crescido substancialmente.

Para a instituição, “Se o trabalho de parto está progredindo normalmente, e a mulher e seu bebê estão em boas condições, eles não precisam receber intervenções adicionais para acelerar o trabalho de parto”. Porém, infelizmente não é isso o que se vê, como você pode constatar nessa reportagem da Band Jornalismo.

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Ou seja, médicos e o governo acreditam que é melhor extinguir o termo violência obstétrica, enquanto a ONU e Fiocruz estimulam o debate e conscientização sobre o tema. Mas ainda assim existem entidades que parabenizaram o decreto.

Na nota de apoio emitida pela Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (FEBRASGO), lê-se que “A utilização da expressão ‘violência obstétrica’, envolve situações multifatoriais que passam por falta de vagas em maternidades, dificuldade de acesso das gestantes às maternidades, mau atendimento do pessoal administrativo, falta de ambiência adequada nas unidades hospitalares para assistência ao trabalho de parto e parto e em algumas vezes, situações que envolvem o atendimento prestado pela equipe de saúde”.

Continua dizendo que, apesar de ser multifatorial, o que se percebe é a demonização da figura do obstetra, quando há algumas vezes a necessidade de intervenções durante o parto para a sobrevivência da mãe e do bebê. Finaliza com a seguinte expressão: “a decisão do Ministério da Saúde em recomendar que a expressão ‘violência obstétrica’ não seja utilizada, deve ser elogiada, apoiada e plenamente divulgada”.

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Ministério volta atrás

Depois da repercussão negativa da população e de uma recomendação do Ministério Público Federal (MPF), o Ministério da Saúde (MS) reconheceu, através de um ofício divulgado no dia 7 de junho de 2019, o direito ao uso do termo ‘violência obstétrica’.

“O MS reconhece o direito legítimo das mulheres em usar o termo que melhor represente suas experiências vivenciadas em situações de atenção ao parto e nascimento que configurem maus tratos, desrespeito, abusos e uso de práticas não baseadas em evidências científicas, assim como demonstrado nos estudos científicos e produções acadêmicas que versam sobre o tema”, lê-se no documento.